Sérgio Figueiredo, in Jornal de Negócios (12.01.06)Só o tempo veio revelar porém que a verdadeira razão daquela mornice não estava, afinal e ao contrário do que toda a gente disse, no modelo dos debates. Devíamos, por isso, ter prestado mais atenção à bizarra convergência entre Manuel Alegre e Cavaco Silva.
Quando falaram de privatizações e de sectores estratégicos. Como a água. Em que Alegre chegou a dizer que era caso para o Presidente derrubar um Governo. E Cavaco alertou, várias vezes, para «o perigo» de o Estado «perder o controlo» deste «bem essencial». Como se fossem parar às mãos de Osama bin Laden.
Ninguém interpretou bem esta «coligação estatizante», porque só assim surpreendeu ver os candidatos, todos à excepção de Garcia Pereira, aclamar em uníssono a intervenção do dr. Sampaio na EDP.
E todos se preveniam para que, através desta campanha eleitoral, reemergisse a doutrina dos centros de decisão e a defesa dos «campeões nacionais», em versão pouco elaborada.
Os debates foram sonsos porque os candidatos não exibem diferenças de fundo, não questionam o sistema e escapam-se deliberadamente da questão essencial: basta mexer nas regras do sistema ou será preciso mudar o sistema por inteiro?
Todos estão, claramente, no primeiro registo. Incluindo Cavaco. Por isso também não espanta vê-lo, já esta semana, explicar neste jornal porque pensa que a legislação laboral não é obstáculo à competitividade nacional.
E, dois dias depois, ver Mário Soares concordar na defesa da Constituição tal como está. Fazendo ambos uma apropriação, porventura mais surpreendente, da bandeira do candidato comunista.
Os portugueses andam há muito a fugir ao problema. Estes candidatos limitam-se a não ser excepção. Se Cavaco Silva faz coligação com Jerónimo de Sousa, está tudo dito. Não da ideologia, obviamente. Mas da atitude, que é a mesma.
Está dito que se discutirão as vírgulas do Código de Trabalho, quando é preciso mudar o paradigma nas relações laborais. Está dito que se prefere discutir público-versus-privado, quando há que rebentar primeiro estas regras do jogo.
Aliás, ontem mesmo, no primeiro diagnóstico independente aos hospitais-empresa, Miguel Gouveia fez esta descoberta fantástica: a saúde tem os «custos de contexto» que Cadilhe viu na economia.
Não adianta passar um hospital a Sociedade Anónima, se o sistema de saúde fica na mesma. Não se ataca a burocracia, mudando as alcatifas das repartições e chamando-as de lojas do cidadão.
Enfim está visto que Cavaco Silva, ou qualquer dos outros adversários, pretende ser o Presidente de uma República que resiste à mudança que outras nações ousaram fazer. Há investimentos que esperam 8 anos por uma aprovação estatal? Cria-se uma «via verde», um fura-filas, em vez de matar o absurdo.
Nesta República presa a dogmas, incapaz de cortar com o instituído, não há Presidente que a salve. Tal como nos hospitais, ou nas moedas: num sistema viciado, as más expulsam as boas.