Miguel Portas e a bomba atómica
por Vasco Pulido Valente, a ler no Público. (14.08.05)
Sobre a bomba de Hiroshima (e a de Nagasaki) tentei explicar a Miguel Portas três coisas: não percebeu nenhuma. Antes de mais nada, tentei explicar que o uso do terrorismo, nomeadamente por bombardeamento aéreo, era sem excepção aceite pelos beligerantes. Lembrei que a Inglaterra tinha sido a primeira a adoptar o método como meio infalível de ganhar a guerra e que o usou, sem espécie de escrúpulos, até à rendição alemã. Lembrei que antes de a Inglaterra entrar em guerra, já Hitler o usara na própria Inglaterra, na Holanda, na Bélgica, na França e, sobretudo, na Rússia. Devia ter acrescentado: na Polónia e na Jugoslávia. Talvez seja agora preciso fazer dois comentários a benefício de Miguel Portas: que, por um lado, do ponto de vista das vítimas, não interessa saber se morreram por causa de uma bomba convencional, incendiária ou atómica; e que, por outro, as forças de terra e as forças navais também conduziram uma campanha terrorista com efeitos devastadores, especialmente a Alemanha na Rússia, na Polónia, na Jugoslávia e no Atlântico. Comparados com os milhões de mortos do terrorismo convencional, os 140.000 mortos de Hiroshima e Nagasaki não sobressaem, a não ser pela novidade técnica da arma, para eles com certeza indiferente.
A segunda coisa que tentei explicar a Miguel Portas foi a necessidade das bombas de Hiroshima e de Nagasaki. Verdade que alguns chefes militares se opuseram a essa estratégia: MacArthur, o comandante do teatro do Pacífico, e Curtis LeMay, o comandante da Força Aérea. Mas não pelas razões que Miguel Portas supõe. MacArthur achava que só invadindo, a América ganharia um poder absoluto sobre o inimigo; e Curtis LeMay queria "bombardear o Japão até à Idade da Pedra". Truman e o chefe do Estado-Maior Leahy, com o exemplo de Okinawa em mente, e calculando 30 por cento de baixas na frente americana (para não falar da japonesa e da população civil) preferiram a bomba. Salvaram milhões de vidas, digam o que disserem as memórias de Eisenhower (notoriamente pouco fidedignas) e o revisionismo histórico contemporâneo (notoriamente frágil).
A terceira coisa que tentei explicar a Miguel Portas foi que Hiroshima e Nagasaki não "lançaram o mundo na era do armamento nuclear". O medo de que Hitler conseguisse produzir a bomba atómica (embora, como se veio a provar, injustificado) é que, evidentemente, lançou o mundo na "era do armamento nuclear". Posto isto, convém prevenir que não tenciono voltar a falar com Miguel Portas. Não lhe reconheço nem inteligência, nem competência, nem honestidade.